Por Thiago Carvalho
O teatro de grupo no interior da Bahia é uma expressão artística que, ao longo dos anos, tem se consolidado como uma importante força cultural nas diversas cidades e regiões do estado. Enquanto o centro de atenção ainda se concentra nas grandes capitais, como Salvador, o interior tem visto um crescente movimento teatral que, por sua vez, carrega consigo histórias locais, desafios e uma resistência criativa que merece ser reconhecida. Para entender a profundidade dessa manifestação, é necessário refletir sobre o papel do teatro na construção da identidade, na resistência cultural e nas transformações sociais que ele pode promover, à luz de diferentes teóricos e pensadores.
A Bahia, com sua rica diversidade cultural, possui um histórico de manifestações artísticas que envolvem o povo em sua totalidade. No interior, as influências das tradições indígenas e africanas ainda estão presentes nas narrativas que são representadas no palco. O teatro de grupo, portanto, se torna uma forma de manter vivas essas histórias e de resgatar elementos da memória coletiva, frequentemente silenciados pelos processos de urbanização e globalização. Segundo Antônio Cândido em sua obra “O direito à literatura” (2002), a literatura (e por extensão as artes) é uma expressão da memória coletiva de um povo, que constrói e reinterpreta sua identidade a partir de suas experiências e histórias. O teatro, nesse contexto, se torna uma ferramenta essencial para a afirmação e resistência dessa identidade.
Grupos teatrais em cidades como Feira de Santana, Vitória da Conquista, Ilhéus, entre outras, buscam, com suas produções, não só entreter, mas também educar, provocar o pensamento crítico e fortalecer o sentimento de pertencimento e identidade regional. A utilização de temáticas locais, como a luta contra a desigualdade e a preservação de tradições, dialoga diretamente com as ideias de Maria Lucia de Oliveira, que em “Teatro no Brasil: Política e Cultura” (1998), enfatiza como o teatro, especialmente em contextos periféricos, se torna um espaço de contestação e resistência frente às estruturas sociais e políticas dominantes.
Vitória da Conquista: Um Polo Cultural no Interior da Bahia
Um exemplo evidente de como o teatro de grupo se articula no interior da Bahia é a cidade de Vitória da Conquista, localizada no sudoeste do estado. Reconhecida por sua intensa produção cultural, a cidade tem se consolidado como um importante polo de difusão artística. O município, com sua proximidade das grandes metrópoles, tem se beneficiado de uma dinâmica cultural própria, sendo um cenário de resistência e de afirmação das identidades locais por meio da arte.
Vitória da Conquista é uma cidade que, além de ser um centro comercial e educacional do interior da Bahia, abriga uma série de grupos de teatro que se destacam tanto na produção de espetáculos quanto na formação de novos artistas. Há uma diversidade de grupos que se dedicam à pesquisa e à valorização da cultura baiana e nordestina, trazendo para os palcos questões que envolvem o cotidiano da população local, como a desigualdade social, as relações de poder e a preservação da cultura popular, questões de gênero, raça e outros, pois trata-se de um reflexo da afirmação da identidade local e da resistência cultural, elementos que, segundo Gilberto Gil (2003), em sua obra “Cultura e Cultura Popular”, são essenciais para uma sociedade plural e democrática.
Uma das grandes forças do teatro de grupo no interior da Bahia é seu papel social. Com uma agenda voltada para questões sociais e políticas, muitos desses grupos enfrentam a realidade de suas cidades e bairros, trazendo à tona temas como violência, desigualdade, racismo, gênero e a luta pela preservação do patrimônio cultural. O teatro se torna, assim, uma ferramenta de resistência, uma forma de questionamento das estruturas estabelecidas e um meio de fomentar a reflexão na sociedade. Como destaca Augusto Boal (1974), em sua obra “O Teatro do Oprimido”, o teatro pode ser uma forma poderosa de libertação e conscientização, onde os oprimidos se tornam protagonistas de suas próprias histórias, dando voz aos marginalizados e promovendo um espaço de transformação social.
O exemplo de Vitória da Conquista também ilustra como o teatro no interior da Bahia se tornou um canal de expressão para questões locais e sociais, ao mesmo tempo em que busca integrar a comunidade através da arte. Muitos grupos teatrais atuam, também, como agentes de transformação, oferecendo oficinas e atividades formativas para jovens e crianças, estimulando o pensamento crítico e a criatividade. A perspectiva de Benedito Nunes (1994), ao afirmar que o teatro é uma construção linguística e filosófica que permite a formação do sujeito, é essencial para compreender como o teatro se torna, no interior da Bahia, um meio de fortalecer a subjetividade e a consciência social dos indivíduos. Essas ações formativas ajudam a criar novas gerações de artistas e de público, além de proporcionar a esses jovens uma nova forma de enxergar o mundo ao seu redor.
Embora o teatro de grupo no interior da Bahia tenha se expandido e ganhado relevância, os desafios ainda são grandes. A falta de financiamento adequado, de espaços culturais apropriados e de políticas públicas que incentivem a produção artística local são alguns dos obstáculos enfrentados pelos grupos. Além disso, muitos desses grupos precisam lidar com a falta de visibilidade e o preconceito relacionado à arte produzida fora dos grandes centros urbanos. Em sua reflexão sobre a cultura popular, Gilberto Gil (2003), ressalta como a valorização da cultura local, especialmente nas periferias, é essencial para a construção de uma sociedade mais plural. Essa ideia é fundamental para compreender como o teatro de grupo no interior não apenas enfrenta obstáculos, mas também resiste e se reinventa a partir da força de suas próprias tradições e da criatividade de seus atores.
Contudo, a persistência desses grupos tem mostrado que, com criatividade e resiliência, é possível superar as dificuldades e seguir em frente. A internet e as redes sociais têm sido grandes aliadas na divulgação de trabalhos, ajudando a conectar esses grupos com públicos fora de suas regiões e, assim, expandindo a influência cultural do interior da Bahia. Zé Celso Martinez Corrêa (2005), ao defender o teatro como um evento coletivo que se conecta com o povo, também nos ajuda a compreender como as novas tecnologias podem ser utilizadas para expandir a atuação desses grupos, aproximando-os ainda mais das realidades diversas e da pluralidade de vozes que constituem o Brasil.
A guisa de conclusão, nos permite dizer que o teatro de grupo no interior da Bahia é, sem dúvida, um campo fértil de experimentação, resistência e valorização cultural. Embora enfrente desafios, continua a se expandir e a se consolidar como uma das expressões artísticas mais relevantes da região. A arte teatral não só é uma forma de entretenimento, mas também um reflexo das lutas e das conquistas de uma sociedade que, por meio da criação artística, se fortalece e se reinventa a cada dia. Como afirmam Antônio Cândido (2002), Augusto Boal (1974), Maria Lucia de Oliveira (1998) e outros teóricos, o teatro tem a capacidade de questionar as realidades impostas e de transformar as comunidades em espaços de protagonismo e resistência.
É fundamental que, como sociedade, continuemos a apoiar e a reconhecer o valor desse movimento cultural, proporcionando mais recursos, mais visibilidade e mais respeito à arte produzida no interior da Bahia. O teatro de grupo representa, assim, não só a arte em seu estado mais puro, mas também a resistência cultural e a força criativa do povo baiano. O exemplo de cidades como Vitória da Conquista é um reflexo evidente de como o interior da Bahia tem se afirmado como um polo cultural vibrante, em constante diálogo com a rica tradição cultural da região e ao mesmo tempo com as transformações sociais do Brasil contemporâneo.
Referências:
BOAL, Augusto. O Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.
CÂNDIDO, Antônio. O direito à literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
GIL, Gilberto. Cultura e Cultura Popular. São Paulo: Editora 34, 2003.
NUNES, Benedito. A linguagem do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1994.
OLIVEIRA, Maria Lucia de. Teatro no Brasil: Política e Cultura. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. CORRÊA, Zé Celso Martinez. Teatro: a vida de um mestiço. São Paulo: Cosac Naify, 2005
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