Blog Dentro da Cena

DEUS QUE ME SEGURE, AGORA EU VOU ME APAIXONAR…

DEUS QUE ME SEGURE, AGORA EU VOU ME APAIXONAR…

Por Hendye Gracielle

O encontro entre o juazeirense Fatel e a conquistense Ana Barroso, na cidade de Salvador da Bahia, não poderia ser menos que isto: Deus que me segure, agora eu vou me apaixonar! O Diabo é que muita gente boa se apaixonou mesmo por essa canção, e agora ela faz parte da trilha sonora de outra paixão suscitada por este nordeste fecundo: a dos brasileiros e brasileiras pelos personagens do Auto da Compadecida, filme de Guel Arraes que ganhou continuação nos cinemas.

O Riobaldo que me dê essa licença: nós, nordestinos, levamos o sertão é dentro da gente. E depois ele exala da gente, transformado em outros sertões, que tocam outras gentes, e nunca se esvai. “Deus que me segure, agora eu vou me apaixonar” começa com a voz macia dessa moça cantadeira, Ana Barroso, prosódia sem arestas e sem arranhão. Depois, o moço Fatel completa perfeito esse par musical do sertão. Quem ouve seu timbre maduro, sotaque astuto e entoação criteriosa sabe certo em quais paragens brasileiras esta canção se fez.

Essas vozes, aliás, você já deve ter ouvido, sozinhas ou em companhia de Outras Vozes, coletivo-meteoro que passou pelos céus de Salvador. Foi aí que as órbitas de Fatel e Ana se cruzaram.

Ele: juazeirense, poeta, cantor e compositor, lançou seu EP de estreia em 2017, “Nasciso”, seguido de “Pã” (2018) e do álbum “Tá aí o tal Jardim de areia. No deserto acontece o possível” (2019). Com a Trupe Poligodélica, banda do Vale do São Francisco da qual Fatel é compositor, vocalista e guitarrista, abriu o show de Tom Zé, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves (2022).

Ela: conquistense, atriz, cantora e compositora, filha de artista, mãe de artistinha, com referências que vão das cantoras de rádio até o cancioneiro popular. Tem trânsito em várias galáxias. É licenciada em teatro (UESB – 2016); lançou o álbum Cisco no Olho (2021); atuou nos musicais Sonho de Uma Noite de Verão na Bahia (João Falcão – 2019), Torto Arado (Elisio Lopes Junior – 2024) e Osbrega (Orquestra Sinfônica da Bahia – 2023); foi protagonista dos espetáculos Faviela (Elomar Figueira – 2017) e A Peleja da Santa Dulce dos Pobres (Elísio Lopes – 2023).

Imagine, então, que encontro o desses dois artistas! Aliás, nem é preciso imaginar: basta ouvir esse xote mansinho, que balança as pernas, que embala os braços, que cativa o coração de quem está apaixonado, de quem já se apaixonou, de quem está pra se apaixonar (Valha-me Deus, Nossa Senhora!). Fatel, compositor da obra, não fez economia de afeto na criação; Ana Barroso, ombreando segura na interpretação, soube dosar perícia e lirismo na mesma medida. E a astúcia da arte se fez: a voz de ambos, o acordeon de Gel Barbosa e o fino acabamento musical de Sebastian Notini deixam nossos ouvidos no melhor estado de se estar.

Apaixonado também fica nosso ânimo, sempre carente de belezas, com a notícia de que “Deus que me segure, agora eu vou me apaixonar” contribuiu esteticamente para a continuação deste filme que é parte importante de nosso repertório simbólico, de nosso inconsciente coletivo, da nossa história compartilhada. E O Auto da Compadecida tem é história, viu… Antes de Matheus Nachtergaele e Selton Mello pisarem o chão de Taperoá, no filme de 1995, João Grilo e Chicó já faziam suas traquinagens na peça do paraibano Ariano Suassuna, lançada em 1955. E muito antes disso, os dois já davam seus pulos nas línguas e nos cordéis dos pernambucos, cearás, sergipes, alagoas desse sertão adentro…

E agora, o ano de 2024 nos legou mais um feito do cinema nacional (em beleza e bilheteria). E, como se fosse pouco, nos deu também o deleite de reunir, de maneiras diversas, na mesma obra, as arteirices de Ana Barroso, Luis Miranda, Fatel, Taís Araujo, Maria Bethânia, Enrique Diaz, Adriana Falcão, Juliano Holanda, Guel Arraes e tantos outros artífices de sonhos. Essa vida nossa, que anda cambaleante de tão cansada, merece mesmo esse afago que a arte é capaz de nos dar…

SERVIÇO (UM SIRVICIM MATREIRO):

– Deus que me segure, agora eu vou me apaixonar, basta clicar aqui. 

– Ana Barroso (@anabarrosos) você encontra nas melhores casas do ramo, como aqui neste link do Spotify.

– Fatel (@fateljuazeiro_) você também encontra aqui no Spotify e nos streamings concorrentes.

– O Auto da Compadecida 2 estreou nos cinemas em 25 de dezembro de 2024 (hohoho). Nestante vai estar por aí nos streamings.

– A trilha sonora do filme (valha-me Deus, Nossa Senhora!) também está lá no Spotify, Playlist CENA DE DETRO.

– A peça de Suassuna dá pra comprar nos sebos; o primeiro Auto da Compadecida dá pra assistir até no YouTube; no streaming da emissora do plim plim dá pra ver a série; os cordéis dá pra ler na internet; as montagens costumam pipocar aqui e ali, e mais um bocado de coisa que eu nem sei o quê…